Thursday, August 30, 2007

Tocar na ferida

Sou leitora assídua d' A Bola, mas não costumo seguir as crónicas de Leonor Pinhão. Hoje, porém, foi diferente. O texto está muito bem escrito e ilustra a realidade em que está mergulhado o nosso futebol.

"Contra a corrente

Mais benzidos do que sofridos
Por Leonor Pinhão

Se viram, no domingo, o FC Porto-Sporting, repararam com certeza na cor do apito de Pedro Proença.

Era encarnado.

Convenhamos, então, que o apito encarnado não é um apito, muito menos encarnado.

É uma situação.

Filipe Soares Franco reagiu à situação 48 horas depois de ela se ter verificado. Não é, aliás, a primeira vez que os altos dirigentes do Sporting, de visita ao reduto Antas-Dragão, de lá saem encantados com a qualidade social da recepção — porque a amizade está primeiro e o resultado, enfim, é o que menos interessa… — e só dois, três dias passados é que se dão conta do descontentamento entre as suas hostes e da necessidade prática de as confortar.

Por não ser a primeira vez que tal sucede é que se trata, precisamente, de uma situação.

Não entendam mal. Não viria bem nenhum ao mundo se o presidente do Sporting tivesse lamentado o que houve para lamentar mal o apito encarnado de Pedro Proença apitasse pela última vez.

Até porque já nada havia a fazer.

E fica mal aos vencidos falar, falar, falar e culpar o árbitro, mesmo quando têm razão.

Falar, falar, falar, era o que deviam os responsáveis do Sporting ter feito, mas antes do jogo.

E falar com quem?

Ora, com o guarda-redes Stojkovic, nem mais nem menos.

Era explicar-lhe, com palavras mansas de modo a não o assustar, que o jogo era importante e que o palco onde ia ser disputado era um palco tradicionalmente difícil para a equipa visitante e para a equipa de arbitragem, sempre muito pressionado pelo apito encarnado, como ele haveria de ver.

Era dizer-lhe:

— Stojkovic, meu caro, o senhor é estrangeiro e não tem a menor experiência do futebol português e das suas situações. Portanto…

— Sim, mas as Leis do Jogo são iguais em qualquer parte do mundo… — poderia, eventualmente, barafustar o guarda-redes.

E aqui é que se queria ver quem tem ou não tem capacidade para dirigir o Sporting, ou outro qualquer emblema nacional.

Um dirigente de eleição cortaria de imediato o pio ao estrangeiro acabadinho de chegar.

— Repete lá isso… — diria, enquanto coçava uma sobrancelha.

— As Leis do Jogo são iguais de Santiago do Chile a São Petersburgo! — responderia o guarda-redes.

— Pois são, filho, pois são. Mas se, por acaso, no decorrer deste jogo do Campeonato Tuga, na casa do Campeão Tuga, um teu coleguinha de equipa, de costas para a tua baliza, aplicar um charuto na bola fazendo-a descrever um arco para trás…

— Ah, ah, ah — ria-se, se calhar, o estrangeiro inexperiente.

— ... E se a bola for direitinha a ti, por amor de Deus não a agarres com as mãos.

— Porquê?

— Porque o risco de ser marcado um livre indirecto dentro da área é maior do que o risco de haver vindimas para o mês que vem.

— Vindimas, o que são vindimas? — perguntaria Stojkovic.

Tivesse esta conversa existido e, garantidamente, o guarda-redes sérvio teria despachado a pontapé a bola que lhe foi deficientemente enviada por um colega de equipa e nunca o apito encarnado teria soado daquela forma tão castigadora para os interesses do Sporting.

E lá veio, nas tais 48 horas da praxe, passada a quarentena, o presidente do Sporting protestar. Se por um lado fez mal, por outro lado fez bem.

Sobretudo quando defendeu Stojkovic e lhe deu, em termos públicos, moral e confiança para o seu futuro enquanto guarda-redes do Sporting.

É que estas coisas deixam marcas se não forem debelados a tempo os efeitos nocivos de uma estreia traumatizante num clássico.

No Benfica, por exemplo, aconteceu uma coisa parecida com um grande jogador. Chamava-se Kandaurov e tinha uns pés de artista. E visão de jogo. Até fazia golos. Fez o seu primeiro jogo oficial com a camisola encarnada no Estádio das Antas, contra o FC Porto. Marcou um golo lindo, num remate à meia-volta, no coração da área. Levantava os braços o nosso Kandaurov, em sinal de alegria, e corria para festejar com os seus companheiros quando a expressão do árbitro, senhor António Costa, salvo erro, o fez parar, incrédulo.

Afinal o golo não valera. Tinha sido marcado com a mão. Kandaurov ficou tão traumatizado que, verdade seja dita, nunca mais jogou nada de jeito ao serviço do Benfica. E assim se perdeu mais um activo do clube.

O Sporting não pode, de maneira nenhuma, correr o mesmo risco com Stojkovic.

benzida. Vitória benzida do Benfica ontem em Copenhaga. A sorte do jogo esteve sempre do lado de Quim. Os primeiros quinze minutos foram uma aflição. Apareciam dinamarqueses sozinhos na área e cabeceavam ao lado, por cima, ao poste, à barra. E… nada. «Com o mister Fernando Santos já estávamos a levar 3», houve quem pensasse. Houve quem o dissesse em voz alta.

— Não haja dúvida que o futebol é um jogo de sorte! — respondeu quem acredita em bons olhados.

Foi tanta a sorte do Benfica que conseguiu a proeza de marcar um golo contra a corrente do jogo. Há quanto tempo não marcávamos contra a corrente? Já ninguém se lembra.

O golo foi lindo. Um livre «à Camacho», dirá a crítica, sempre objectiva. Toque de Rui Costa, cabeça de Cardozo para a cabeça de Nuno Gomes para o pé direito de Katsouranis. Quatro jogadores internacionais pelos seus países (o que ajuda muito) construíram um lance de eleição e o resultado que permite ao Benfica entrar na Liga dos Campeões.

Foi uma vitória mais benzida do que sofrida, em tempo de empates.

Neste princípio de época, o Benfica, praticamente, não conseguiu ganhar a ninguém.

Praticamente, só conseguiu ganhar a estes dinamarqueses e ao Sporting.

Agora que o jogo mais importante do ano já passou — porque era decisivo, a todos os níveis, estar na Liga dos Campeões — vem aí o próximo jogo mais importante do ano, contra o Nacional da Madeira. Isto porque o Benfica tem os seus pergaminhos a nível nacional e não pode imitar o início de campeonato do Manchester United de 2007/2008, com dois empates e uma derrota nos primeiros três jogos da liga inglesa.

É que nem pensar." (In A Bola, 30/08/07)

1 comment:

Paulo said...

É engraçado como eu também referi o facto de Soares Franco ter reagido apenas 48h (?!?) depois... vê aqui o que eu comentei noutro blog: http://zonadeataque.blogs.iol.pt/4054/?page=3#cmts (está assinado como "Paulo")